6 de jan. de 2011

Tudo perfeito e maravilhoso para 2011

Dr Pedrinho - SC

Depois das festividades de final de ano , venho com alegria partilhar a mensagem que recebi de uma amiga muito especial. Começando o ano com um pouco de meditação.
Com muito carinho e com cheirinho gostoso de férias.

Ao viajar pelo Oriente, mantive contatos com monges do Tibete, da Mongólia, do Japão e da China. Eram homens serenos, comedidos, recolhidos e em paz nos seus mantos cor de açafrão. Outro dia, eu observava o movimento do aeroporto de São Paulo: a sala de espera cheia de executivos com telefones celulares, preocupados, ansiosos, geralmente comendo mais do que deviam. Com certeza, já haviam tomado café da manhã em casa, mas como a companhia aérea oferecia um outro café, todos comiam vorazmente. Aquilo me fez refletir: 'Qual dos dois modelos produz felicidade?'
Encontrei Daniela, 10 anos, no elevador, às nove da manhã, e perguntei: 'Não foi à aula?' Ela respondeu: 'Não, tenho aula à tarde'. Comemorei: 'Que bom, então de manhã você pode brincar, dormir até mais tarde'. 'Não', retrucou ela, 'tenho tanta coisa de manhã...' 'Que tanta coisa?', perguntei. 'Aulas de inglês, de balé, de pintura, piscina', e começou a elencar seu programa de garota robotizada. Fiquei pensando: 'Que pena, a Daniela não disse: 'Tenho aula de meditação!
Estamos construindo super-homens e super mulheres, totalmente equipados, mas emocionalmente infantilizados.
Uma progressista cidade do interior de São Paulo tinha, em 1960, seis livrarias e uma academia de ginástica; hoje, tem sessenta academias de ginástica e três livrarias! Não tenho nada contra malhar o corpo, mas me preocupo com a desproporção em relação à malhação do espírito. Acho ótimo, vamos todos morrer esbeltos: 'Como estava o defunto?'. 'Olha, uma maravilha, não tinha uma celulite!' Mas como fica a questão da subjetividade? Da espiritualidade? Da ociosidade amorosa?
Hoje, a palavra é virtualidade. Tudo é virtual. Trancado em seu quarto, em Brasília, um homem pode ter uma amiga íntima em Tóquio, sem nenhuma preocupação de conhecer o seu vizinho de prédio ou de quadra! Tudo é virtual. Somos místicos virtuais, religiosos virtuais, cidadãos virtuais. E somos também eticamente virtuais....
A palavra hoje é 'entretenimento'; domingo, então, é o dia nacional da imbecilização coletiva. Imbecil o apresentador, imbecil quem vai lá e se apresenta no palco, imbecil quem perde a tarde diante da tela. Como a publicidade não consegue vender felicidade, passa a ilusão de que felicidade é o resultado da soma de prazeres: 'Se tomar este refrigerante, vestir este tênis, usar esta camisa, comprar este carro,você chega lá!' O problema é que, em geral, não se chega! Quem cede desenvolve de tal maneira o desejo, que acaba precisando de um analista. Ou de remédios. Quem resiste, aumenta a neurose.
O grande desafio é começar a ver o quanto é bom ser livre de todo esse condicionamento globalizante, neoliberal, consumista. Assim, pode-se viver melhor. Aliás, para uma boa saúde mental três requisitos são indispensáveis: amizades, autoestima, ausência de estresse.
Há uma lógica religiosa no consumismo pós-moderno. Na Idade Média, as cidades adquiriam status construindo uma catedral; hoje, no Brasil, constrói-se um shopping-center. É curioso: a maioria dos shoppings-centers tem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas; neles não se pode ir de qualquer maneira, é preciso vestir roupa de missa de domingo. E ali dentro sente-se uma sensação paradisíaca: não há mendigos, crianças de rua, sujeira pelas calçadas...
Entra-se naqueles claustros ao som do gregoriano pós-moderno, aquela musiquinha de esperar dentista. Observam-se os vários nichos, todas aquelas capelas com os veneráveis objetos de consumo, acolitados por belas sacerdotisas. Quem pode comprar à vista, sente-se no reino dos céus. Deve-se passar cheque pré-datado, pagar a crédito, entrar no cheque especial, sente-se no purgatório. Mas se não pode comprar, certamente vai se sentir no inferno... Felizmente, terminam todos na eucaristia pós-moderna, irmanados na mesma mesa, com o mesmo suco e o mesmo hambúrguer do Mc Donald...
Costumo advertir os balconistas que me cercam à porta das lojas: 'Estou apenas fazendo um passeio socrático.' Diante de seus olhares espantados, explico: 'Sócrates, filósofo grego, também gostava de descansar a cabeça percorrendo o centro comercial de Atenas. Quando vendedores como vocês o assediavam, ele respondia:

Estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso para ser feliz !"

Frei Betto

Autor de 51 livros, editados no Brasil e no exterior, Frei Betto nasceu em Belo Horizonte (MG). Estudou jornalismo, antropologia, filosofia e teologia. Frade dominicano e escritor, ganhou em 1982 o Jabuti, principal prêmio literário do Brasil, concedido pela Câmara Brasileira do Livro, por seu livro de memórias Batismo de Sangue. Em 1986, foi eleito Intelectual do Ano pelos escritores filiados à União Brasileira de Escritores, que lhe deram o prêmio Juca Pato por sua obra “Fidel e a religião”. Seu livro "A noite em que Jesus nasceu" (Editora Vozes) ganhou o prêmio de "Melhor Obra Infanto-Juvenil" de 1998, concedido pela Associação Paulista de Críticos de Arte. Em 2005, o júri da Câmara Brasileira do Livro premiou-o mais uma vez com o Jabuti, agora na categoria Crônicas e Contos, pela obra “Típicos Tipos – perfis literários” (Editora A Girafa).

9 comentários:

Paulo Francisco disse...

Muito bom!!!!!!!!!!!!!!
Um beijo!

Unknown disse...

Bem prega Frei Beto...

Um artigo hoje muito ventilado mas muito pouco assumido. A maioria das pessoas cega-se com o brilho das coisas sem ter necessidade delas.

Diariamente adquirem montes de lixo que rapidamente lhes enche a vida e as casas.

Existem tantas coisas que não trazem nem fazem a felicidade dos homens............

Unknown disse...

Minha querida ,para si e para os seus um 2011 cheio de Paz,Amor e Saúde.

Beijo.

(CARLOS - MENINO BEIJA - FLOR) disse...

Textos inteligentes sempre,
Mariza. Eu tenho bronca dessas bitolações gerais das pessoas,principalmente no Brasil. Beijos e parabéns

Ivana Lucena disse...

Que belo texto, não? Quantas verdades! Pensando nessa parte sobre os shoppings, lembrei de uma entrevista que li há algum tempo, onde um especialista sobre o assunto descrevia algumas diferenças entre os shoppings dos EUA e os do Brasil, dizia ele que lá os americanos iam com roupas confortáveis e tênis para as compras e aqui as pessoas vão elegantemente em saltos altíssimos.Quanto desperdício do que realmente importa na vida. Obrigada pela leitura, minha querida. Feliz 2011.

Regina Rozenbaum disse...

Mariza, mestra querida e amada!
Então? Agora eu já cheguei lá 2011!!!
Aproveitando suas merecidas férias?
Do texto de Frei Beto nada a acrescentar...só praticar.
Beijuuss estalados de novos n.c.

JAIRCLOPES disse...

Gostei demais do blog. A blogsfera só tem a ganhar com conteúdos assim, parabéns. Veja no meu blog: www.jairclopes.blogspot.com texto sobre GENTILEZA.

Anônimo disse...

...Estou passando, para trazer uma pequena reflexão, e desejar-te uma maravilhosa semana...

"Não interrompa uma pessoa que lhe conta algo que você já sabe. Uma história nunca é contada duas vezes da mesma maneira e é sempre bom ter mais uma versão.""
[Golbery do Couto e Silva]


Paz e bem:

Leandro Ruiz

ALUISIO CAVALCANTE JR disse...

Querida amiga

Palavras que dizem tudo.

Um dia um índio
pegou carona com um homem branco.
Tamanha era a velocidade
do carro, que em dado momento
o índio pediu ao homem para parar.
-Algum problema? Perguntou ele.
-Sim, respondeu o ìndio.

E continuou.
Preciso seguir a pé agora,
para que o meu espírito
me acompanhe novamente.

Este texto lembrou-me
esta história.

Que sempre haja tempo para os sonhos
em tua vida.