TESE DE MESTRADO NA USP por um PSICÓLOGO
| 'O HOMEM TORNA-SE TUDO OU NADA, CONFORME A EDUCAÇÃO QUE RECEBE'
'Fingi ser gari por 8 anos e vivi como um ser invisível'
Psicólogo varreu as ruas da USP para concluir sua tese de mestrado da 'invisibilidade pública'. Ele comprovou que, em geral, as pessoas enxergam apenas a função social do outro. Quem não está bem posicionado sob esse critério, vira mera sombra social.
Plínio Delphino, Diário de São Paulo.
O psicólogo social Fernando Braga da Costa vestiu uniforme e trabalhou oito anos como gari, varrendo ruas da Universidade de São Paulo. Ali, constatou que, ao olhar da maioria, os trabalhadores braçais são 'seres invisíveis, sem nome'. Em sua tese de mestrado, pela USP, conseguiu comprovar a existência da 'invisibilidade pública', ou seja, uma percepção humana totalmente prejudicada e condicionada à divisão social do trabalho, onde enxerga-se somente a função e não a pessoa. Braga trabalhava apenas meio período como gari, não recebia o salário de R$ 400 como os colegas de vassoura, mas garante que teve a maior lição de sua vida:
'Descobri que um simples bom dia, que nunca recebi como gari, pode significar um sopro de vida, um sinal da própria existência', explica o pesquisador.
O psicólogo sentiu na pele o que é ser tratado como um objeto e não como um ser humano. 'Professores que me abraçavam nos corredores da USP passavam por mim, não me reconheciam por causa do uniforme. Às vezes, esbarravam no meu ombro e, sem ao menos pedir desculpas, seguiam me ignorando, como se tivessem encostado em um poste, ou em um orelhão', diz. No primeiro dia de trabalho paramos pro café. Eles colocaram uma garrafa térmica sobre uma plataforma de concreto. Só que não tinha caneca. Havia um clima estranho no ar, eu era um sujeito vindo de outra classe, varrendo rua com eles. Os garis mal conversavam comigo, alguns se aproximavam para ensinar o serviço. Um deles foi até o latão de lixo pegou duas latinhas de refrigerante cortou as latinhas pela metade e serviu o café ali, na latinha suja e grudenta. E como a gente estava num grupo grande, esperei que eles se servissem primeiro. Eu nunca apreciei o sabor do café. Mas, intuitivamente, senti que deveria tomá-lo, e claro, não livre de sensações ruins. Afinal, o cara tirou as latinhas de refrigerante de dentro de uma lixeira, que tem sujeira, tem formiga, tem barata, tem de tudo. No momento em que empunhei a caneca improvisada, parece que todo mundo parou para assistir à cena, como se perguntasse: 'E aí, o jovem rico vai se sujeitar a beber nessa caneca?' E eu bebi. Imediatamente a ansiedade parece que evaporou. Eles passaram a conversar comigo, a contar piada, brincar.
O que você sentiu na pele, trabalhando como gari? Uma vez, um dos garis me convidou pra almoçar no bandejão central. Aí eu entrei no Instituto de Psicologia para pegar dinheiro, passei pelo andar térreo, subi escada, passei pelo segundo andar, passei na biblioteca, desci a escada, passei em frente ao centro acadêmico, passei em frente a lanchonete, tinha muita gente conhecida. Eu fiz todo esse trajeto e ninguém em absoluto me viu. Eu tive uma sensação muito ruim. O meu corpo tremia como se eu não o dominasse, uma angustia, e a tampa da cabeça era como se ardesse, como se eu tivesse sido sugado. Fui almoçar, não senti o gosto da comida e voltei para o trabalho atordoado.
E depois de oito anos trabalhando como gari? Isso mudou? Fui me habituando a isso, assim como eles vão se habituando também a situações pouco saudáveis. Então, quando eu via um professor se aproximando - professor meu - até parava de varrer, porque ele ia passar por mim, podia trocar uma idéia, mas o pessoal passava como se tivesse passando por um poste, uma árvore, um orelhão.
E quando você volta para casa, para seu mundo real? Eu choro. É muito triste, porque, a partir do instante em que você está inserido nessa condição psicossocial, não se esquece jamais. Acredito que essa experiência me deixou curado da minha doença burguesa. Esses homens hoje são meus amigos. Conheço a família deles, freqüento a casa deles nas periferias. Mudei. Nunca deixo de cumprimentar um trabalhador. Faço questão de o trabalhador saber que eu sei que ele existe. Eles são tratados pior do que um animal doméstico, que sempre é chamado pelo nome. São tratados como se fossem uma 'COISA'.
*Ser IGNORADO é uma das piores sensações que existem na vida!
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10 comentários:
Interessante este trabalho!
Não sei como ele aguentou ficar oito anos fazendo esse trabalho, sem precisar!
Mas, para a classe política deste país, parece que todos somos garis!
Abraços, Mariza!
Adorei esta lição de vida! Espetacular! Bjs
Ótimo trabalho.Isso é uma lição de vida! É espetacular! Godtei muito de conhecer um pouco do seu blog, e vou estar de volta muitas outras vezes. Te seguindo... Um beijo pra ti!
Amigos um belo dia do amigo pra vcs... na musica do milton nascimento e fernando brant a belíssima _Canção da América_, nada pode representar melhor um amigo e a sua importância...
Canção da América
Amigo é coisa pra se guardar
Debaixo de sete chaves,
Dentro do coração,
assim falava a canção que na América ouvi,
mas quem cantava chorou ao ver o seu amigo partir,
mas quem ficou, no pensamento voou,
com seu canto que o outro lembrou
E quem voou no pensamento ficou,
com a lembrança que o outro cantou.
Amigo é coisa para se guardar
No lado esquerdo do peito,
mesmo que o tempo e a distância, digam não,
mesmo esquecendo a canção.
O que importa é ouvir a voz que vem do coração.
Pois, seja o que vier,
venha o que vier
Qualquer dia amigo eu volto a te encontrar
Qualquer dia amigo, a gente vai se encontrar.
depois disso é esperar que nossos corações emocionem-se com nossas amizades como emocionamo-nos qdo ouvimos esta declaração de amor, tão maravilhosamente interpretada na voz do meu querido milton nascimento.
e esperar que cada um de nós escute o que fala o nosso coração...ate pq tudo que eu queria dizer eles já falaram, faço minha a voz deste gigante da nossa musica.
beijinhos queridos um belo dia do amigo todos...
Eiiii mestra amaaaada!
Essa tese me lembrou um dos livros do Augusto Cury: O semeador de ideias. Agora fico aqui, me perguntando se não somos assim ignorados, invisíveis no trabalho nosso de cada dia...professores, profissionais da saúde, etc e tal. Visibilidade messssmo só para quem está no poder...por cima da "carne seca".
Beijuuss n.a.
Gostei de ler, porque de facto as pessoas são descriminadas pelo seu status social, mas todas são importantes, todas fazem falta à sociedade!
De facto ser ignorado e não ser respeitado é bem desmotivante!
Beijos,
Manuela
De arrepiar. Olha, é justamente as pessoas mais simples, humildes, nevessitadas que eu trato melhor, porque a vida dela já é sofrida e não me cabe pioar ainda mais. Existem palavras mágicas pro nosso dia a dia... bom dia... por favor... obrigado... com licença. desculpe-me.Ainda mais com pessoas humildes, sofredoras como um gari.
Pois é Mariza...nem tudo é o que parece ser!!
Antes de tudo eu gostaria de parabenizar a força de vontade dessa pessoa. Não deve ter sido fácil. Mas não é só os garis que sofrem preconceito. Qualquer pessoa que não se encaixe num estereótipo considerado "moral" é automaticamente ignorada nas ruas. É difícil quebrar o preconceito que existe na cabeça das pessoas, mas não é impossível.
Beijos, professora! Saudades...
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